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As antigas escolas da Zona Norte

Escolas são local de afeto e lembrança. Nós, adultos, quando lembramos de nossa vida escolar, sempre colocamos muito mais em evidência as memórias afetivas do que o caminhão de conteúdos a que fomos expostos.

Li em algum lugar que retemos apenas 30% de tudo o que aprendemos na escola. Acho esse dado exagerado. Talvez não chegue nem perto disso. No entanto, é indiscutível que, conforme os anos vão passando, a peneira do tempo vai selecionando as experiências mais impactantes que vivenciamos. É dessa forma que, para mim, o gosto do cachorro-quente da cantina do colégio São João, que eu comia lá pelo início dos anos 90, é uma memória mais importante do que o momento em que as letras começaram a se misturar com os números na matemática.

A escola que eu estudei continua firme e forte. É possível visitá-la e caminhar pelos mesmos lugares em que eu passei boa parte de minha infância e adolescência. E eu, ainda bem, estou vivo, para lembrar de tudo isso. Quando eu morrer, acredito eu, o La Salle São João continuará e, em algum lugar do futuro, os meus registros escolares serão preservados – quem sabe minha filha herde de mim esse interesse pelas coisas de antanho e descubra que seu pai não era o melhor aluno em matemática, especialmente no ensino médio.

Mas e o que fazer quando uma escola não existe mais? Isso pode parecer algo absurdo, mas não é. Em 2018, o governador José Ivo Sartori anunciou o fechamento de 6 escolas, das quais três estavam localizadas na zona norte: Benjamin Constant (bairro São João), Marechal Mallet (bairro Vila Jardim) e Oswaldo Aranha (bairro Vila Ipiranga). A justificativa para o fechamento, segundo o governo da época, era o baixo número de matrículas. Boa parte de minha família havia estudado no Benjamin Constant. Em uma canetada, foi-se uma escola. Ficaram as lembranças e aqueles que as guardam.

Escola Estadual Benjamin Constant antes do fechamento. Fonte: Google.

Há, no entanto, aquelas escolas que deixaram de existir há ainda mais tempo. Ainda há quem tenha estudado no antigo Ginásio Santa Terezinha. Dos anos 30 até 1970, quando foi incorporado pelo Colégio São João, dos irmãos la sallistas, essa escola, administrada pelas irmãs franciscanas, funcionou no que é hoje o prédio B do La Salle São João. Era uma escola exclusiva para meninas, conhecida pela disciplina rígida.

Na Sertório, esquina com a Pernambuco, durante os anos 20 e 30 funcionou a escola da Professora Gertrudes. Segundo Guido Mondim, em seu livro de memórias Burgo sem água (reminiscências do 4° distrito), Gertrudes era uma “figura de uma austeridade benevolente, educadora por vocação e missão, consciente das dificuldades do ensino naqueles recuados dias, montou sua escolinha na própria residência”. Hoje ninguém mais guarda em sua memória o rosto de Gertrudes.

Caso curioso também foi o da antiga escola do 4° posto, localizada, no antigo posto policial da Rua Pereira Franco (antiga rua Florida). Na sala da delegacia, também pelos anos 20 e 30, lecionava o professor Armando Câmara, figura importante no meio social e político local, também professor da Faculdade de Direito. Seu trabalho ali era de caridade, pois gratuitamente, em uma sala de aula improvisada no pátio da delegacia, alfabetizava crianças proletárias do 4° distrito.

Professor Armando Câmara. Fonte: Google.

Há que se pensar em todas as lembranças que não foram contadas. Cheiros. Colegas. Discussões. Amores. Afinal de contas, a história de uma cidade também é a história de suas escolas. Há muitos espaços que ainda precisam ser relembrados. E muitos arquivos que precisam ser revirados.


Cristiano Fretta é escritor, professor e músico.

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