No final dos anos noventa e início dos anos dois mil, muitos brasileiros viveram o delírio de achar que sabiam um pouco do idioma italiano. E isso não ocorreu em virtude de algum tipo de estudo sobre o falar da Península Itálica ou a visitas a comunidades da Serra Gaúcha, mas sim por causa dos diálogos de inúmeros personagens de algumas novelas da Globo, como Terra Nostra (1999-2000) e Esperança (2002-2003).
Amore Mio. Ti Voglio Bene. Ragazzo. Buongiorno. Ecco. Maledetto.
Nos últimos dias, as expressões "attenzione, pickpocket" e "attenzione, borseggiatrici" viralizaram, engrossando um pouco o caldo - talvez nada grosso, é verdade - do conhecimento do brasileiro sobre italiano. Trata-se de um vídeo em que uma mulher alerta turistas em Veneza sobre batedores de carteira. As expressões significam literalmente "Atenção, batedores de carteira". O vídeo foi postado pela dona do perfil Cittadini Non Distratti (“Cidadãos Não Distraídos”, em português). Obviamente tudo virou meme.
Legal saber (contém ironias) que o Brasil já exportou seus batedores de carteira dos centros das grandes cidades para as capitais do Velho Mundo. Afinal de contas, é impossível que um turista abonado tenha sua carteira roubada no berço da Renascença se não for por algum moleque carioca, desses que usam chinelo de dedos e moram em um barraco. Imagine só: tu está lá, do outro lado do mundo, longe da chinelagem tupiniquim, imerso em cultura clássica, a alguns metros de alguma ruína romana de dois mil anos, e de repente, pá, alguém rouba tua carteira. Só pode ser coisa de brasileiro. Aliás, é bem possível que a mulher que fez o vídeo de alerta também seja brasileira, pois “pickpocket” é uma palavra em inglês, e ficar utilizando expressões norte-americanas é coisa de brasileiro que fica copiando outras línguas ao invés de manter a pureza da nossa última flor do Lácio.
As autoridades italianas deveriam proibir a entrada de imigrantes brasileiros de pouco poder aquisitivo. Elas só deveriam deixar frequentar o seu imaculado território de relíquias históricas aqueles nossos compatriotas de bem, que conseguem as coisas graças ao seu esforço e não ficam querendo roubar carteiras dos outros por aí. Aliás, é bem provável que daqui a pouco “jornalistas” ou qualquer um metido a intelectual vá dizer que a Europa também tem assaltos, homicídios, pobreza e crise econômica. (Contém ironia, lembra?). Veneza, para a sorte dos cidadãos de bem, não é uma vila brasileira de periferia, inundada por águas de esgoto após uma forte chuva, mas sim uma cidade que respira racionalismo quinhentista, simetria artística e honestidade europeia.
Maledetto!
Cristiano Fretta é escritor, professor e músico.
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