Imagem: REUTERS/Irina Dambrauskas
Quando da eleição daquele que denomino como “El loco despeinado”, muita coisa não se esperava a não ser coisa ruim. Iniciou seu governo implantando medidas de caráter recessivo e barulhento. Isso sem falar em seus périplos fascistas em diferentes lugares do mundo. Lembro de uma declaração, cujo autor me olvido no momento, que afirmou: - Os Argentinos em diversas oportunidades apostaram no abismo, esta é mais uma delas.
Pessoalmente, conheço e convivo com a Argentina desde o ano de 1991. Em tantas idas e vindas, me dou ao direito de palpitar. Aqui, pretendo tratar de dois ou três temas. Uma análise mais profunda exigiria um pouco mais de mim e muita paciência aos meus dois leitores.
A base do combate a inflação foi o corte dos gastos públicos, infringindo à maior parte da população o fim do acesso a uma série de serviços. A recessão (por óbvio, a nossa imprensa não admite tal situação) gerou uma enorme massa de pobres. Os aposentados, e outras categorias vivendo em situação de penúria. A indústria nacional, que apoiou Milei, está começando mudar de opinião, talvez seja um pouco tarde. A utilização da capacidade instalada, no meio do ano era de apenas 61,3%, e só piorou de lá prá cá. Deverão fechar 2024 com uma retração de cerca de 17% na produção industrial.
O setor agropecuário, que esperava o fim das “retenciones”, segue mirando o horizonte da pampa “humeda” sem nenhum sinal de que irão ser retiradas. O consumo de erva mate caiu 11% em 2024, ou seja, “no hay plata ni para el mate”. E para piorar, as previsões para a safra de grãos para a temporada 2025, não são das melhores.
E como escrevi no início deste texto, convivo há pelo menos 3,5 décadas com os Argentinos. As idas e vindas cambiais, não me surpreendem. No momento, estão em um processo de valorização do peso frente ao dólar. E aí que mora o perigo! Para nós fronteiriços, a Argentina se tornou cara, muito cara.
De outra parte, o paraíso dos novos ricos e sonegadores brasileiros virou a maior cidade para grande parte deles. Os com mais barriga e menos cabelos devem lembrar do “dá-me dos” do ano de 1999. Pergunte a um argentino de classe média baixa: - Qual a maior cidade do Brasil? Ele responderá sem titubear: Camboriú. E lá vem eles aos borbotões. Ainda ontem fui e voltei de Ijuí a Passo Fundo, pude constatar o fluxo. As aduanas fronteiriças do Rio Grande do Sul, estão lotadas de famílias argentinas nesse período. Isso sem contar os voos charter ao Rio de Janeiro, Florianópolis, Salvador e outros destinos brasileiros.
Milei, com sua política econômica, está copiando seu apoiador, a ao mesmo tempo quase inimigo, Macri. No período do governo Macri, em que houve situação similar, os “Hermanos” torraram 30 bilhões de dólares em viagens internacionais em um ano. Seu balanço de pagamentos balançou para baixo. Agora estão fazendo o mesmo. Logo ali, a conta vem. A casa rosada já está passando cera no pires para ir ao FMI e pedir dinheiro emprestado. Prevê que o tesouro argentino não tem fundos para fazer frente aos seus compromissos. Isso que já fez cortes astronômicos.
O governo ultra liberal autorizou compras internacionais online sem impostos de até 400 dólares. Durante esta semana, uma das industrias multinacionais de calçados da Argentina concedeu “vacaciones” permanentes a seus funcionários. Ou seja, sentido que não terá como competir, fechou as portas. Enquanto isso, a maior empresa do país, Mercado Libre, cujo fundador Marcos Galperin é grande apoiador de Javier Milei, aplaude. Simples assim.
Para entender a dimensão da coisa, é só relembrar a nossa polemica taxa das “blusinhas” Uma taxa de 20% sobre as importações online de até 50 dólares. Um dos principais argumentos é a proteção da indústria nacional. Dimensionemos agora, um país com a indústria combalida, autorizar compras de 400 dólares sem impostos, me parece insano. Creio que em breve, a indústria têxtil, calçados, utensílios domésticos e até acessórios automobilísticos irá berrar aos quatro ventos que não aguenta a concorrência dos importados. E mais, com câmbio apreciado, as exportações tendem a diminuir, causando déficit na balança comercial. O governo, por sua vez dirá. São incompetentes, o mercado é que dita as leis. Azar o seu. Milei irá sacudir a cabeleira e seguir agarrado aos fascistas da vez.
Enfim, esperar o ano começar de verdade para ver no que dá. Ainda bem que os vinhos argentinos na fronteira ainda estão com um preço razoável. Uma escapada de final de semana varando o majestoso Uruguai. Comprando dentro da cota autorizada, nos proporciona acompanhar o cenário sorvendo um malbec. Ao mesmo tempo, torcendo que a cidadania argentina se dê conta de sua decisão. Que o faça, antes de rolar abismo abaixo.
Alceu van der Sand - Professor de Economia. Mestre em Integração da América Latina - USP. Doutorado em Desenvolvimento Regional - Unijuí Ijuí. Atuação em assessoria a empreendimentos de Economia Solidária e Pequena Microempresas.
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