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DA NECESSIDADE DO MODERNO: O FUTURO DA PORTO ALEGRE DO SÉCULO PASSADO



É um livro organizado por Flávio Krawczyk, da Unidade Editorial, de 2002. É fruto de um Seminário feito pela Secretaria de Cultura da capital. Temos uma "Apresentação” da Secretária Margarete Moraes que sinaliza na obra do pintor Carlos Scliar o início de uma vanguarda. O seu organizador Flávio indica no “Prefácio” que a escolha, delimitação, foi de 1940 a 1990, lembrando que se instaura ali a modernidade na capital.

Lembro de que quatro anos antes, o arquiteto Fernando Corona nos entregava o que se tem por primeiro prédio modernista, o Guaspari, onde hoje se encontra a Loja Lebes, junto ao atual Largo Glênio Peres e a Avenida Borges de Medeiros.

O coordenador do livro lembra muito bem que narrativas desconheciam os ameríndios (nossos povos originários), os africanos (muitos escravizados) e as sucessivas levas de imigrantes, a partir dos anos 1850.

O professor Charles Monteiro apresenta "A invenção da história de Porto Alegre". O autor nos remete às fontes que se utilizavam. Mostra a força do Instituto Histórico e Geográfico, e da imprensa. Muitos debates nos anos 40 a 70 se deram acerca da data da fundação da cidade. Trabalha-se o "mito açoriano". Mostra o peso que teve de um lado Walter Spalding com sua tese de que a cidade começara em 1940 com o recebimento da carta de sesmaria por Jerônimo de Ornellas, que virou data da "colonização". Charles Monteiro não entra nos duros embates que Spalding sofreu de outros pesquisadores como Francisco Riopardense Macedo que acabam por conquistar sua posição vertida em lei, ou seja, Porto Alegre tem como data oficial de sua fundação 26 de março de 1772.

Chamaria a atenção do leitor para o desenvolvimento de alguns debates narrados por Monteiro apontando sempre que se desconhecia que Porto Alegre tem, de fato, uma formação poliédrica, multifacetada.

Zita Possamai apresenta o texto “Entre o guardar e celebrar: memórias, documentos e peças de museu”. Ela sinaliza que "documento é uma construção social". Faz um bom relato sobre o Solar Lopo Gonçalves que vira museu e entra em relatos do que ali existe e como pessoas, doadores, parentes de doadores veem a memória deixada. Ela questiona se a casa do rico comerciante tenha sido o local da fundação da Praça de Comércio (ACPA - Associação Comercial de Porto Alegre). Creio que pode sim ter sido ali, quem quiser pesquisar mais, há um livro de Sérgio da Costa Franco sobre essa entidade.

Um senão - na página 48, há uma reprodução do Cais Mauá, dado como Cais dos Navegantes. Não está correta a nota. A mesma foto volta na página 72 onde se sinaliza corretamente com sendo o Cais Mauá. Um erro de revisão. Porém, temos que sinalizar o erro.

Vale atentar para as explicações que Possamai lança do museu guardião, museu memória, museu histórico, museu da História.

Em "Na trajetória da modernidade: o lazer e a moral nos anos 50 em Porto Alegre", Naida Lena Menezes D'Ávila nos apresenta como agem e como vivem as chamadas "Camadas Médias". A autora percorre o desenvolvimento econômico (aumento da riqueza), o início da chamada sociedade de massas a partir de 1940, o padrão e espaço cultural nas praças, cafés e ruas, como o footing, o convívio na Rua da Praia, na Praça da Alfândega eram emblemáticos. Marca os grupos sociais e de convívio, pelo espaço de encontros, especialmente nos cafés. Mostra que ainda temos a submissão da mulher, como importante figura do lar, da família, dos cuidados com os filhos, apesar de já estar no mercado de trabalho, mas podendo sair dele pelo casamento. Mostra como os jornais reproduziam essa visão conservadora em relação às mulheres.

Helton Estivalet Bello apresenta-nos “Arquitetura e planejamento urbano em Porto Alegre dos anos 30 aos anos 70”. O autor traça o caminho seguido aqui, pelo menos em parte, dos projetos que vinham de Houssmann em Paris, Pereira Passos para chegar ao modernismo com Niemeyer e Lucio Costa, vindo de Le Corbusier, passando aqui por Agache e Gladosch, que fez um "plano diretor" em 1943 que não saiu do papel, mas nos deixou o Edifício Sulacap.

Depois, nos fala do Plano diretor de 1959 de Edivaldo Pereira Paiva (hoje nome de importante via pública) e equipe da Prefeitura, para chegar no 1° PDDU de 1979, fruto já de debates coletivos.

"A preservação patrimonial em Porto Alegre (1960-1979)”, de Marlise Giovanaz, é importante, porque faz um resgate dos vários movimentos feitos pela preservação histórico-patrimonial da capital. Ela lembra que houve poucos historiadores nas grandes batalhas pela preservação, ficando mais a cargo de arquitetos e jornalistas, ou como foi o caso de Leandro Telles, que era advogado e servidor da Prefeitura.

Vimos aqui a importância do arquiteto Francisco Riopardense Macedo, Leandro Telles, Alberto André, jornalista e vereador que entrou duro nesta luta, como outros velhos jornalistas, a exemplo de Archymedes Fortini.

Bem lembra o papel destruidor tanto de proprietários gananciosos de velhos casarões e palacetes, do mal que fez a Igreja ao destruir a Capela do Menino Deus e a antiga Igreja do Rosário e o quanto foi central a luta pela preservação da Capela do Divino no Bom Fim, pois já a Igreja mandara destruir a Capela do Divino ao lado da velha Catedral.

Salienta de forma correta o papel do então prefeito, Guilherme Socias Villela, que mesmo indicado pelo regime militar, fora favorável à conservação do patrimônio. Eu acrescentaria o patrimônio ambiental, com a criação do Marinha do Brasil e outros parques, frutos de seu governo.

Por fim, Ana Lucia Goelzer Meira apresenta "Políticas Públicas e a participação dos cidadãos na preservação do patrimônio cultural de Porto Alegre”. Ana Meira mostra como foi a evolução do conceito de preservação do patrimônio cultural que vai do excepcional, majestoso a outros valores como o momento, o tipo de obra, localização e usos, demonstrando como é importante a participação popular neste processo, das campanhas de abaixo-assinados até as reuniões do Orçamento Participativo a partir de 1989, nas Administrações Populares sob o comando do Partido dos Trabalhadores, como se vê, por exemplo, em preservações na Vila Nova, entre outros.

Este livro é um bom roteiro para entender este período.

Uma continuidade 20 anos após (agora, 2022) seria salutar, pois nos parece que já em 1970 esta modernidade começou a ficar suspensa e entrar num processo de destruição, como os artigos da mídia mostram, em especial na gestão de Telmo Thompson Flores.

A pergunta que fica, ao chegarmos ao final é: de 1970 para cá, quando o último bonde para no Centro, quando se trocam as pedras da Rua da Praia por lajotas, quando se derrubam casas e edifícios para dar lugar a viadutos, não teríamos já entrado numa antecipada pós-modernidade líquida?

ADELI SELL é professor, escritor e bacharel em Direito.

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