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Difícil convívio de Santo Antônio com Bento Gonçalves

TRABALHO DIGNO


A paróquia não faz o Santo

Protetor das coisas perdidas, dos casamentos e dos pobres, Santo Antônio, de padre agostiniano, passou a franciscano e é louvado por todos os cantos. É padroeiro de Bento Gonçalves.

Os colonos italianos tinham um quadro de Santo Antônio ao chegar aqui e que hoje está no Santuário homônimo em Bento Gonçalves. Começaram a partir deste quadro as devoções a Santo Antônio (1878). Eram os tempos da Colônia Dona Isabel.

Força além da paróquia

Caso os dados sejam reais, Bento Gonçalves teria em torno de 125 mil habitantes, destes 90 mil se dizem católicos. Logo, muitos devem ser devotos do padroeiro da cidade, muito além da paróquia dedicada ao Santo das coisas perdidas.

Como laboriosa comunidade, a Colônia virou uma cidade se apresentando como a capital nacional da uva e do vinho. Esta cidade que tem um santo protetor que juntava pessoas, amava os pobres e estava ao lado dos desvalidos pode virar manchete nacional no sentido oposto? Não foi por falta de fé. Aqui, fé e ética não andam juntas, como em geral andam separadas, muito distantes uma da outra, no país inteiro.

No dia 22, no Santuário Santo Antônio foi lançada a campanha da Fraternidade que tem como tema A FOME, porém na sua página tem o vídeo, mas não se consegue abrir para ver e ouvir. Neste site nada, absolutamente nada, entre as várias postagens sobre o trabalho análogo à escravidão.

Fé em guerra com a violência

A Brigada festejou dados de diminuição de crimes e violências, mas, em 2022, 834 pessoas foram presas, 348 k de drogas foram apreendidos e o mais inacreditável, acho até que os números não estão corretos, 51 mil pessoas teriam sido abordadas pela Polícia, ou seja, metade da população.

Outra matéria praticamente desdiz o autoelogio da BM, pois, na Operação Maria da Penha, fala-se na ocorrência de 67 novas ocorrências de violência doméstica familiar contra a mulher, registradas em 30 dias do período de ação da Operação. Ou seja, uma violência que contradita com a fé exposta não só no Santuário em homenagem ao Santo padroeiro como em outros templos e igrejas locais. É só pesquisar.

Em 2021, o jornal Pioneiro da região dava a seguinte manchete: "Líder de facção e mandante de chacina: quem é o homem preso em ação contra roubo a banco em Bento Gonçalves".

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Já em 2018, lembram as greves dos caminhoneiros, e Bento tem um grande contingente organizado na cidade, como em Garibaldi, o mesmo Pioneiro dizia: "A Prefeitura de Bento Gonçalves decreta situação de emergência".

Em janeiro deste ano, lia-se na mídia que o percentual de desemprego registrado estava abaixo de 1%. Seria uma das razões de buscar mão de obra de fora, em especial em tempos de colheita.

Vale lembrar que a mídia noticiou também as dificuldades das centenas de haitianos e senegalesas na cidade, reclamando da falta de apoio das autoridades locais. O que se via era a ação da igreja de Caxias do Sul em auxílio aos imigrantes. Ou seja, uma terra que nasceu dos imigrantes pobres vindos da Europa agora vira as costas aos seus irmãos latino-americanos.

E o Santo Antônio?

Não estou usando a imagem, a história do santo padroeiro da cidade como retórica ou meio de tripudiar sobre uma coletividade, nem sobre os credos religiosos.

Penso que Bento Gonçalves mesmo tendo virado um centro da extrema direita, do conservadorismo, de apoio a atos inomináveis, tem raízes ainda do tempo em que a colonada se reunia, se ajudava, fazia mutirão nas colheitas, é só ver os relatos – Memórias de vários autores – sobre a velha Colônia Dona Isabel (nossa Bento), Conde d'Eu (Garibaldi), Palmira (Caxias do Sul) ou na Nova Milano/Nova Vicenza (Farroupilha).

Mas estes traços da velha e boa solidariedade foram se apagando com a mudança de nomes, em homenagem a um dos piores conflitos que já vivemos, que nada tinha a ver com aquela região serrana: a Guerra dos Farrapos. Por isso, viraram Caxias do Sul, Farroupilha, Garibaldi e Bento Gonçalves.

E, mais uma vez, não se trata de retórica. Não que os nomes imperiais devessem ficar, mas os nomes lembrando a Guerra Farrapa nada tem a ver com o seu povo e sua cultura.

Ficou Santo Antônio como elo de ligação com os nossos primórdios. Vou lembrar o nosso cronista, Archymedes Fortini, nascido na costa da Itália, que tão devoto de Santo Antônio foi que dizia o que ele pedia ao seu santo ele ganhava. Quem sabe vamos pedir a este Santo que traga as pessoas em torno de uma mesa e selem um novo pacto: com base em nossa Constituição Federal que tem como centro a dignidade da pessoa humana. Talvez a fé, que ainda teima não afrouxar raízes, com a consciência cidadã, com as leis em vigor Bento Gonçalves possa fazer sua reengenharia espírito-social, política, vindo a habitar o mundo da Civilização.

Este seria o grande passo para podermos novamente tomar nossa espumante e vinho e brindar á vida humana, na paz, no respeito e na harmonia.


Adeli Sell é escritor, professor e bacharel em Direito


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