Falar sobre o clima era, há pouco tempo, um mero papo de elevador. A gente encontrava um vizinho qualquer, desses com quem se tem pouca intimidade, arqueava as sobrancelhas, colocava os lábios para dentro, dava um tímido bom dia, olhava no visor o andar em que estava e largava um “E esse tempo maluco, hein?”. Então a pessoa falava qualquer coisa, como um “é, esfriou demais” ou “não tem quem não fique doente, né?”. Tratava-se de algo puramente fático, ou seja, esse papo tinha a principal função de fazer a manutenção do canal de comunicação, como um “oi, como vai?” – acreditem, eu tenho uma tia que sempre responde como está, e ela nunca está bem. Mas enfim...
Falar sobre o tempo deixou de ser uma mera formalidade para se transformar em preocupação. É claro que o tempo, tal qual a economia e as declarações de Bolsonaro, são coisas imprevisíveis e que há muito nos causam transtornos. No entanto, as mudanças climáticas como efeito da Revolução Industrial estão batendo à nossa porta como aquela visita indesejável que, sabemos, um dia virá à nossa casa.
Me lembro agora do meu falecido pai. Ele era um homem teimoso. Quando colocava na cabeça que algo não iria acontecer, não havia santo que o convencesse do contrário, por mais que houvesse evidências. Certa vez, quando eu era criança, começaram a ocorrer um monte de roubos a residências no bairro São João. Os ladrões entravam em casa, apartamentos e firmas, pegavam tudo o que podiam e simplesmente saíam. Nós morávamos no térreo e não havia sequer uma porta de ferro. Tudo o que protegia a nossa sala da Avenida Sertório era a porta de entrada do prédio (que os vizinhos teimavam em não fechar direito) e uma frágil porta de madeira. Minha mãe tentava convencer meu pai a colocar a tal porta de ferro, mas não tinha jeito: ele dizia que era “bem capaz que alguém iria entrar no apartamento”. Houve um dia, no entanto, que dois apartamentos do andar de cima foram arrombados. Embora houvesse todas evidências de que havia perigo, meu pai ainda assim não quis gastar com a tal porta. Passou-se um mês e nada aconteceu. Dois meses, e nada. Quatro meses. Cinco meses. Parecia que o problema dos assaltos jamais nos afligiria. Até que um dia, adivinhem? Entraram no nosso apartamento e só não levaram a mesa da sala porque talvez não tivessem como carregar.
Para nós, aqui no sul do Brasil, as mudanças climáticas talvez nos pareçam, em um primeiro momento, não muito drásticas, acostumados que estamos à nossa gangorra de condições meteorológicas. No entanto, precisamos acreditar na Ciência e pensar naquilo que podemos fazer ou no que já não é possível fazer. Ciclones, vendavais, enxurradas. Aumento da temperatura. Doenças. Colapso econômico e fome. Morte. Sei que o assunto não é agradável, mas tudo indica que essa visita está chegando e nós, aqui no Sul - com a falsa sensação de que estamos apartados das discussões científicas que acontecem acima da Linha do Equador - infelizmente, também sofreremos terríveis consequências. Porto Alegre é parte do mundo tanto quanto Nova Iorque e Paris. O sistema respiratório de quem mora no Sarandi funciona igual a de quem está agora comendo um croissant na Champs-Élysées.
Infelizmente, a falta de informação científica na formação de boa parte da sociedade brasileira faz com que sejamos imediatistas e pragmáticos: se não há nuvens no céu, então não há motivo para preocupação. Mas parece que as nuvens chegaram.
Cristiano Fretta é escritor, professor e músico
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