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Eleição, fascistização e lideranças – Subjetividade e Psicanálise

Atualizado: 21 de nov. de 2022

Vamos dialogar com as questões objetivas e subjetivas, fazendo um paralelo da conjuntura nacional do processo eleitoral atual com o de 2018, tendo a psicanálise em extensão como ferramenta.

Se Lula tivesse concorrido em 2018, escapado do golpe da farsa da Lava Jato, teria vencido, segundo o Datafolha, com 52% dos votos contra 32% de Bolsonaro (uma vantagem de 20% dos votos válidos).

No entanto, Haddad perdeu com 44,87% para Bolsonaro, com 55%, diferença de mais de 10%.

Evidente que tivemos uma máquina de fake news, facada e a gama de estímulos imaginários ao medo do Comunismo, da ideologia de gênero, da defesa da família heteronormativa que seria prejudicada, de virarmos Venezuela, etc. (Esses condicionamentos se mantiveram durante esses anos, no resultado atual).

Ainda assim, subjetivamente, temos um fator bem relevante que é um lugar de Mito, Lula, que não é transferido tão fácil. Temos um percentual que migra de um mito para outro.

Freud, em “Totem e Tabu”, traz de sua pesquisa antropológica o lugar do Mito do “Pai da Horda primeva” de amado e odiado: aquele que mandava, que gozava de privilégios. Com sua morte, parricida, deu lugar ao Totem simbólico que trouxe exogamia e matriarcado. Mas um mito se faz pela anuência.

Para refletirmos, fazendo uma torção que desconstrói a culpabilização do lugar do mito, responsabilizando seus cultuadores, cotejamos na obra “Servidão Voluntária”, de Étienne de La Boétie, morto em 1563 aos 33 anos.

La Boétie, contextualizado, nos ajuda a pensar o motivo da concordância com a Tirania que propaga o medo e a resignação com a sujeição. Aponta questões relevantes do Discurso: o quanto o poder de um homem só é imaginário, ilegítimo, o usando das crenças religiosas para o jugo e sujeição.

Traz algo extremamente visível na atualidade de nosso processo que é a força da opinião pública, repelindo a demagogia que segue na psicologia das massas. Destaca a irracionalidade, que se apresenta como hoje numa dissonância cognitiva: o falso virando uma verdade inquestionável, beirando a um delírio psicótico.

Em “A Psicologia das Massas e Análise do Eu”, Freud enfatiza que o amor faz ligação nos grupos humanos, com a solidariedade mútua, fomentando idealizações, num processo de identificação. O líder tem importância radical na constituição dos grupos e suas dinâmicas (Bion já aponta o inverso: o grupo determina o Líder. Podemos pensar que os dois vetores assim ocorrem nos processos que vivemos).

Na mesma obra freudiana, o fator religioso, instituído, com a promessa de amor e proteção, se vale da ameaça do castigo e de um Deus onipotente para amaldiçoar quem não estiver alinhado com o que é dito moral: como os fora da heteronormatividade, os que defendem aborto, ideologia de gênero, os comunistas que “matam criancinhas”.

O exército não foge, como apontaria Freud, de ser guardião à força de tudo isso. Nesse imaginário, o artigo 142 da Constituição é denegado do lugar de protetor de nossa soberania para chancelar “intervenção militar”.

Evidente que esse ódio não se encerra com a vitória de Lula. Ele foi edificado com uma máquina subjetiva calcada no medo, nas mentiras. Não bastou Lula ter sido inocentado – com reconhecimento da ONU, do Papa – para deixar de ser chamado de ladrão.

E o novo mito, apesar de um CPI que comprovou sua ação desumana e corrupta na pandemia, de seus imóveis comprados com milhões em dinheiro vivo, da corrupção no MEC e muito mais encoberto por 100 anos de sigilo e manutenção de orçamento secreto, seu lugar de confiança não cedeu muito.

Ainda, assim, a diferença pequena na vitória de Lula é questionável pelas batidas rodoviárias, chantagens e ameaças. O extermínio simbólico do mito demanda tempo a ser revertido.

Quanto a Lula: sua postura democrática respaldada por dez partidos aliados flexibiliza um lugar menos mitificado, pois não governará sozinho. A volta às bases é tarefa dessa frente, sendo relevante a vitória na maioria dos municípios. A composição ministerial de Lula exigirá harmonização com competências da coalizão que irá nos governar.

Temos como relevância para não apostar em golpe: a corrente de forças democráticas no Brasil, da América Latina e do mundo. Não temos um fomento americano às ditaduras, como foi em 1964, inclusive Biden foi dos primeiros a estender a mão ao nosso novo presidente.

Em recente live, o sociólogo Rudá Ricci analisa que teremos, apesar dos protestos fascistas, um período de calmaria. Segue o desafio de buscar alternativas à “PEC de transição” para manter as promessas de Bolsa Família e atualização do salário-mínimo, sem ceder ao Centrão, que não abre mão de seus privilégios.

A questão de ordem subjetiva a ser pesquisada é o quanto a nossa “alma brasileira” pode ser pensada como metade fascista?

A nossa nação, cuja democracia unida foi capaz de derrubar uma ditadura com as “diretas já”, fazer uma Constituição exemplar no campo dos direitos sociais, individuais e humanos, teria se transmutado dessa forma?

Evidente que nosso fascismo estrutural estava em grande parte recalcado, que a velha luta de classes sempre esteve presente, que a burguesia brasileira mais conservadora não suportou narcisicamente as conquistas dos trabalhadores, mas seria para tanto?

Há uma tendência pessimista considerável na própria esquerda que tende a achar que estamos divididos, meio a meio, em democratas e fascistas.

Ainda assim, um considerável contraponto de Ricci traz um alento. Segundo o sociólogo, numa pesquisa do Datafolha, temos 15 milhões de brasileiros que defendem a volta dos militares com todos os instrumentos ditatoriais, fascistas, representando apenas 7% da população. Que assim seja, "menos mal" do que 50%!

De qualquer forma, o ódio desrecalcado e fomentado tem sido adoecedor, por ser sustentado na mentira, na identificação com um mito perverso. Isso demanda um trabalho de base educacional, nas escolas, nos grupos de conversas, na produção cultural, tendo investimento de mais psicólogos na rede SUS, sobremaneira no PSF, num trabalho interdisciplinar que não prescinde dos demais profissionais, como agentes de saúde, professores, resgatando a ciência, a história, assistentes sociais, entre outros.

A psicanálise, na clínica e em extensão, também tem sua contribuição, com sua intervenção, tendo a máxima de Lacan: “Só o amor pode circunscrever o gozo, cedendo espaço para o desejo!”.


Gaio Fontella é Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS.









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