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História da Zona Norte - Cap. 10

É impossível falarmos da história da Zona Norte de Porto Alegre sem pensarmos em Varig, ou, de forma mais ampla, na aviação brasileira. A Varig foi fundada em 1927 pelo alemão Otto Ernest Meyer e contando com investimento de vários magnatas teuto-brasileiros, a companhia, durante os seus 5 primeiros anos de existência, operou apenas hidroaviões. O modelo Dornier Do J, apelidado de “Atlântico”, foi o responsável pela primeira rota, ligando Porto Alegre a Rio Grande. Logo em seguida, outra aeronave entrou em cena. Tratava-se do Dornier Komet, que passou a atender a região Sul e Sudeste do Brasil. O local utilizado para as operações em Porto Alegre era o próprio Rio Guaíba, especificamente, na Ilha Grande dos Marinheiros. Foi apenas em 1932 que a empresa começou a operar aeronaves com trem de pouso, com os modelos Junkers A-50 Junior e Junkers F.13. Dessa forma, havia a necessidade óbvia de um outro espaço para as operações.

O lugar em que a empresa desenvolveria suas atividades em terra era uma imensa área alagadiça na extrema Zona Norte da cidade, situada entre o fim da Rua Sertório e o rio Gravataí, ao final do traçado da popularmente conhecida “Rua dos Cachorros” (atual Augusto Severo). A região toda era conhecida como Várzea do Gravataí e o local de desenvolvimento do futuro Aeroporto Porto Alegre era uma propriedade municipal onde havia plantações de arroz durante o século XIX.

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Em 1892, o então presidente da província, Fernando Abott, ali criou o 1º Regimento de Cavalaria da Brigada Militar. Um ano mais tarde, Júlio de Castilhos – que havia retornado ao cargo de Presidente da província – deu o comando do local ao tenente-coronel Fabrício Baptista de Oliveira Pillar, com o objetivo de fortalecer as defesas na entrada da capital.

Alguns anos depois, o mesmo local passou a ser utilizado como Posto de Veterinária da Brigada Militar, tendo em vista o imenso potreiro existente ao ar livre. Era comum que, durante a década de 1910, a área adjacente fosse utilizada para corridas de cavalos pela população porto-alegrense, em uma versão menos glamourosa que o turfe inglês. Os limites de urbanização da cidade iam exatamente até o local, sendo a “Rua dos Cachorros” já relativamente povoada desde a década de 1880, ligando a Estrada do Passo da Areia (atual Assis Brasil e Benjamin) à imensa área da Várzea do Gravataí.

Em 1915, o comandante-geral da BM, coronel Affonso Emílio Massot, propôs a Borges de Medeiros, então Presidente do Estado, a criação de uma escola de aviação. No entanto, o projeto não recebeu apoio de Borges, alegando que esta era uma competência federal. Oito anos mais tarde, Massot reapresentou o projeto, tendo como argumento a necessidade de se enfrentar o movimento revolucionário de Assis Brasil. Dessa vez, o projeto foi aceito. O local ao lado do Posto de Veterinária era ideal, pois era plano e próximo a instalações já pertencentes à Brigada. Então, foi criado em 1923 o Serviço de Aviação da Brigada. Para tanto, a área foi drenada, aterrada e foram construídos dois galpões que serviram como oficinas e hangares. Além disso, demarcou-se uma pista de 600 metros com madeira caiada. Duas aeronaves francesas, modelo Breguets 14, foram compradas. Para operá-las, foram contratados o ex-sargento-aviador do Exército Noêmio Ferraz como piloto e Osório Oliveira Antunes como copiloto.

Em maio do mesmo ano, ocorreram os primeiros voos de identificação sobre Porto Alegre. Nos próximos meses, os voos tinham como objetivo reconhecer e assustar as tropas dos revolucionários. No entanto, em agosto, após a volta de uma missão de reconhecimento, o avião incendiou-se subitamente no ar. Milagrosamente, Noêmio se salvou após ser arremessado para fora da aeronave. Já seu companheiro Osório morreu carbonizado junto aos destroços do avião. Noêmio continuou voando com a outra aeronave, que também começou a apresentar problemas. Em 1924, o serviço foi oficialmente extinto.

Noêmio Ferraz e Osório

Esta não havia sido, no entanto, a primeira vez que um avião havia voado os céus de Porto Alegre. Em 1911, o italiano Bartolomeu Cattaneo chegou à capital com sua aeronave Blériot a bordo de um vapor, sendo recebido por inúmeras autoridades. O local escolhido como pista foi o antigo prado do Menino Deus. Uma verdadeira multidão se aglomerou para ver a aeronave, que fez várias evoluções sobre a cidade, levando público ao delírio.

Cattaneo no Menino Deus

Em 1920, pela primeira vez, o bairro São João ouviu o barulho de uma aeronave. Tratava-se do paulista Eduardo Pacheco Chaves, que estava fazendo a inédita rota entre Rio de Janeiro e Buenos Aires. Edu Chaves, como era conhecido, era filho da elite cafeicultora paulista. Estudou aviação na França e lá fez amizade com Santos Dumont. Além disso, foi o fundador da primeira escola de aviação do Brasil. Seu pouso aconteceu nas adjacências do Posto de Veterinária da Brigada e fez com que praticamente todo o bairro São João corresse até a Várzea do Gravataí para ver o aparelho, em um dia de extremo calor.

Em 1924, a área do Serviço de Aviação da Brigada, por meio de contrato, passou a ser propriedade de Orestes Dionísio Barroni. Os galpões e as aeronaves avariadas permaneceram no local, que passou a ser conhecido como Aeródromo São João, que, no entanto, nunca chegou a se desenvolver como um polo da aviação civil. Como destaque, em 1926, Antônio Gonçalves Rei fez inúmeras manobras sobre a Zona Norte de Porto Alegre.

A Varig, então, em 1933, começou a utilizar a área para suas operações com os novos aviões com trem de pouso. Os antigos galpões foram utilizados durante 5 anos. Em 1938, o aeroporto foi federalizado e inaugurou-se um novo terminal de passageiros. Terrenos ao redor foram desapropriados para a expansão da área. Em 1940, o Aeródromo de São João passou a se chamar Aeroporto de Porto Alegre.

Instalações do Aeroporto de São João na década de 30. Acervo Ronaldo Bastos

Durante os anos 30 e 40, o movimento de passageiros cresceu de forma exponencial. Em 1948, operaram 9222 aeronaves, transportando 138.722 passageiros e 4 mil toneladas de carga e correio. Em breve, as instalações mostraram-se insuficientes e as aglomerações ficaram constantes. Além disso, a pista era pequena, o que inviabilizava operações de aeronaves maiores.

Em 1953, um novíssimo terminal mais ao norte era inaugurado, juntamente com o alargamento e repavimentação da pista. Houve, então, outra mudança de nome, e o Aeroporto de Porto Alegre passou a se chamar Aeroporto Internacional Salgado Filho, uma homenagem a Joaquim Pedro Salgado Filho, importante magistrado e político brasileiro. Atualmente, corresponde ao Terminal 2 de operações do aeroporto. Também nos anos 50, a Varig inaugurou imensos hangares que ainda hoje estão de pé. Com a mudança de local do terminal de passageiros, o movimento na área ficou restrita à mecânica da Varig e à Fundação Rubem Berta. Com o passar dos anos, toda a paisagem do antigo terminal foi mudando. Hoje, ele é “engolido” por inúmeros outros prédios que foram construídos ao redor.


Cristiano Fretta é escritor, professor e músico.

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