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História da Zona Norte - Cap. 2



Como política de domínio territorial frente aos espanhóis, no século XVIII, a Coroa portuguesa começa a fazer concessão de Sesmarias. Em um primeiro momento, o território atual de Porto Alegre pertenceu a três sesmeiros: Dionísio Mendes (entre o Arroio do Salso e o Arroio Cavalhada), Sebastião Francisco Chaves (entre o Arroio Cavalhada e o Arroio Jacareí – primitivo Arroio Dilúvio) e Jerônimo De Ornellas (do Arroio Jacareí até o Rio Gravataí). Para além do Rio Gravataí, as terras pertenciam a Francisco Pinto Bandeira, e à leste, a Francisco Xavier Azambuja. A sesmaria de Jerônimo de Ornellas englobava os atuais Centro, Bom Fim, Independência, Moinhos de Vento, Petrópolis, Floresta, Santana, Rio Branco e toda a Zona Norte.

O interesse desses exploradores, no entanto, não era desenvolver nenhum tipo de núcleo urbano organizado: a principal preocupação era a criação de gado. Desta forma, o gado de Jerônimo de Ornellas vivia livre nestas terras desde o Rio Gravataí até o Arroio Dilúvio. É provável que o gado andasse solto pelos pastos e terrenos alagadiços da Várzea do Gravataí.

Em 1752, chegam a Porto de Dorneles (primeiro nome que as terras de Porto Alegre tiveram, em referência ao sesmeiro) os primeiros casais de açorianos. Essa vinda foi motivada pelo cumprimento do Tratado de Madri fixado entre Portugal e Espanha em 1750. Pelo acordo, com o objetivo de amenizar as constantes disputas de fronteiras entre os dois países, a área dos Sete Povos das Missões passaria a pertencer a Portugal, e em troca, a Colônia do Sacramento passaria a pertencer à Espanha. No entanto, os índios missioneiros, juntamente com os jesuítas espanhóis, uniram-se em resistência, o que resultou na Guerra Guaranítica, entre 1753 e 1756. Ao final, os índios e religiosos acabaram por ser massacrados pelos exércitos português e espanhol.

Dessa forma, os casais açorianos, que deveriam seguir de Porto de Dorneles para a região das Missões, viram-se abandonados no local que hoje corresponde ao Centro Histórico de Porto Alegre, mais especificamente, no traçado da Rua da Praia. Tudo aquilo que havia sido a eles prometido não foi cumprido. Viram-se largados à própria sorte em um ambiente hostil, sem nenhum tipo de assistência da Coroa portuguesa. Boa parte desses ilhéus não permaneceu na região, indo para Rio Pardo e Viamão, por exemplo. No entanto, muitos ficaram e tiveram que encontrar meios de sobreviver. Foi assim que surgiu o primeiro núcleo urbano de Porto Alegre, na região que corresponde atualmente às imediações da Praça da Alfândega e da Rua da Praia.

Em 1772, vinte anos depois, José Marcelino de Figueiredo, governador da Capitania, tomou as primeiras atitudes que acabaram por melhorar as condições de quem se encontrava na região: mandou melhorar os caminhos que ligavam Viamão ao Porto dos Casais (nome pelo qual a península hoje correspondente ao Centro passou a ser conhecida), demarcar as principais ruas e, o mais importante, dar lotes de terras para os colonos. Além disso, Porto dos Casais é elevado a Freguesia de São Francisco de Chagas, ou seja, passa a ser reconhecido oficialmente como um núcleo habitado.



Antes disso, por volta de 1768, Jerônimo de Ornelas já havia vendido sua sesmaria para Ignácio Francisco, indo embora para Rio Pardo. Provavelmente, o principal motivo que o levou a vender suas terras tenha sido a presença dos casais açorianos. O passo seguinte é dado em 1793, quando a capital do Rio Grande de São Pedro é transferida por José Marcelino de Figueiredo. Em vez da Vila de Viamão (sede administrativa da província desde 1763, sucedendo a Vila de Rio Grande), a nova capital passou a ser Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre, outro nome pelo qual a cidade passou a ser conhecida.

Essa mudança foi fundamental para Porto Alegre: é a partir dela que importantes estruturas seriam edificadas: Arsenal de Guerra (1774), fortificações para a defesa do espaço urbano (1778), Palácio do Governo (1784), Casa da Junta (1790), cadeia (1790), Igreja da Matriz (1790), entre outras inúmeras construções. Infelizmente, nenhuma dessas edificações - com exceção da antiga Provedoria Real da Fazenda (1790), atual Memorial do Legislativo - permaneceu de pé até os nossos dias. Na época, o núcleo urbano da cidade restringia-se à península, entre a atual Washington Luís e a Rua da Praia e entre o atual Gasômetro e a atual Senhor dos Passos. Os futuros arrabaldes, como menino Deus, Moinhos de Vento e São João, por exemplo, ainda não existiam. A cidade recém havia nascido.


Cristiano Fretta é escritor, professor e músico.

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