Entre o final do século XVIII e o início do século XIX, há alguns primitivos desenvolvimentos na região da Zona Norte de Porto Alegre.
Mesmo antes da formação da cidade como um núcleo urbano, já havia caminhos entre Viamão e Porto de Ornelas. O mais antigo deles é a atual Bento Gonçalves (conhecida até a década de 30 do século XX oficialmente como Estrada do Mato Grosso). Conforme a urbanização avançava, o caminho foi melhorando em estrutura. A atual Protásio Alves (conhecida anteriormente por Estrada da Capela, Caminho de Viamão e Caminho do Meio) também é um dos acessos mais antigos de Viamão a Porto Alegre.
Avenidas surgem por demandas de ligação humana e, principalmente, comercial. Porto Alegre, como nova capital, viveu um grande crescimento demográfico entre 1780 e 1803. Neste ano, apenas a Vila de Rio Grande a superava em população. Com o aumento da densidade populacional, a abertura de novos caminhos que ligassem Porto Alegre a outros núcleos urbanos próximos se fez necessária. É a partir desse contexto que surge o traçado da maior avenida, a avenida mais importante da zona norte: a Assis Brasil. Ainda no século XVIII, foi conhecida como Estrada de Baixo ou Estrada da Aldeia dos Anjos, por ligar Porto Alegre à freguesia de Aldeia dos Anjos de Gravataí. No século XIX, passou a ser conhecida como Estrada do Passo da Areia, nome pelo qual era conhecido o vale do Arroio da Areia, hoje canalizado e passando ao lado do Estádio do São José. Toda a região entre este arroio e o Arroio Passo da Mangueira ficou conhecida desde o início do século XIX como Passo das Pedras.
Dessa forma, ainda no século XVIII, os caminhos das atuais Assis Brasil e Benjamin Constant já estavam delimitados. Rota para tropeiros que vinham abastecer a cidade de mantimentos, os primitivos traçados nada mais eram do que estradas de chão batido sem nenhum tipo de núcleo habitacional desenvolvido ao longo dos 30 Km que separam o centro de Porto Alegre da atual Gravataí. Em carretas, é possível que esse trajeto demorasse mais de oito horas.
Na futura Assis Brasil e Benjamin Constant, as primeiras edificações, ainda de pau a pique, foram sendo construídas principalmente a partir dos anos 1850. Também há referências de que os primeiros habitantes desses logradouros tenham sido descendentes diretos dos casais açorianos. Aquiles Porto Alegre, um dos mais importantes cronistas de nossa cidade, em 1922, nos diz que:
“Antes da construção da capela de São João [1871], no Passo d´Areia, tudo aquilo por lá era pleno deserto. Só se via, de longe em longe, uma ou outra casinha, alvejando entre as árvores como um ninho abençoado.
Pelos vales corriam velhas cercas de maricás que cortavam os campos com diversos rumos, assinalando as terras de uns e outros moradores do lugar.
As habitações eram em geral de pau a pique, com o piar à frente e uma ou outra figueira brava ali por perto.
Pela estrada deserta, vinham, às vezes, gemendo as carretas atulhadas, até a ponta dos fueiros, de gêneros para encher a fartar o ventre da cidade – matando-lhe a insaciável fome...
De quando em quando, aparecia um escoteiro lá, ao longe, ao tranco do animal, entoando saudosas cantigas da roça, de uma doce melancolia.
Era, pois, um ermo esse campo por ai a fora, onde foi erguida a capela de São João.”
Se, ao se referir aos anos 1870, o cronista trata a região como um grande “deserto”, o que imaginar, então, do final do século XVIII e início do século XIX? Apenas em 1855 a Câmara Municipal se preocupa com o alagamento da via atual Assis Brasil. O desenvolvimento dessa região como núcleo urbano só começará a ocorrer, de fato, na segunda metade do século XIX.
Cristiano Fretta é escritor, professor e músico.
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