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O CAFÉ TRAVOU NA MINHA BOCA

Eram 9h, sol em céu de brigadeiro, olhei pela janela respirei fundo. Hora do segundo expresso da manhã.

Já tinha trabalhado, pesquisado fazia mais de uma hora. Eis que recebo mais um artigo sobre a escravidão contemporânea, desta vez no Espírito Santo.

A matéria tratava de um acordo assinado pelo Ministro Luiz Marinho, do Trabalho e Emprego, com cafeicultores daquele estado.

O café travou na minha boca. Lembrei que desde fevereiro leio matérias e mais matérias dos problemas dos cafezais de Minas Gerais, campeão desta afronta á dignidade da pessoa humana.

A cada matéria que leio os números são díspares, mas que vão de 1600 a 2500 pessoas tiradas do trabalho análogo á escravidão, na verdade: “escravidão contemporânea”. Só neste ano de 2023.

Voltei meus pensamentos para o passado e me lembrei das pinturas de Cândido Portinari, por exemplo: O lavrador de café.

O tema do cafezal é recorrente em Portinari. O artista queria mostrar a realidade brasileira, enfocando suas mazelas. Portinari cresceu em uma fazenda de café, onde seus pais, imigrantes italianos, trabalhavam.

Lembrei-me que no Rio Grande do Sul temos um município chamado de Barão de Cotegipe. Ele foi um dos cinco senadores do Império a votar contrariamente à aprovação da Lei Áurea. Mesmo sendo mestiço. Disse na época à Princesa: “a senhora acabou de redimir uma raça e perder o trono!”.

Temos em Porto Alegre uma rua com o mesmo nome.

Não bastasse isto, Porto Alegre homenageia também outro grande escravagista cafeicultor: Barão do Ubá. É nome de uma via importante da capital dos gaúchos.

Foi o primeiro e único Barão de Ubá. Foi contratador, negociante e traficante de escravos, senhor de engenho, banqueiro. Era um articulador político no período de D. João VI e de D. Pedro I.

Seu título de Barão de Ubá foi recebido por decreto imperial um ano antes de sua morte.

Recebeu uma sesmaria às margens do Rio Paraíba, que foi engenho de açúcar, e depois virou plantador de cafezais, um dos primeiros.

Não casou, mas teve filhos naturais.

É uma afronta esta denominação, pois esta rua começa quase no centro da antiga Colônia Africana. É um tema para reflexões, como é o caso do Barão do Cotegipe, já citado.

Foi o dia em que, repito, o café travou na minha boca.

Tive que tomar uma água, respirar mais uma vez fundo, comprometendo-me a continuar tratando do tema, como fiz com o lançamento do livro “Escravidão contemporânea, o caso da Serra gaúcha”.

Felizmente, o dia continuava com céu azul e com sol. Pelo menos, isso me aliava um pouco a alma.


Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito

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