Em 1998, eu já havia percebido que boa parte da minha família simplesmente não gostava do Olívio Dutra. Já no início do ano, quando seu nome foi confirmado como candidato, muitos parentes faziam rosto de nojo ao ouvir o seu nome ou então desandavam a falar descalabros sobre sua pessoa.
A minha curiosidade continuava, mesmo após meu pai insistir que ele iria “quebrar o estado”. Eu, sem entender exatamente o que isso significava, me dividia entre concordar com meu pai (afinal de contas, ele deveria saber bem mais do que eu sobre política, imaginava) e me questionar sobre como era possível um homem que parecia tão inofensivo ser, na verdade, uma criatura tão maléfica quanto minha família falava.
Aos poucos, no entanto, eu comecei a ficar um pouco desconfiado de que, por trás daquele bigode, houvesse coisas ruins escondidas. Eu comecei, aos poucos, a ter uma espécie de ojeriza por aquela figura. Minha curiosidade, no entanto, permanecia intacta.
Antônio Britto e Olívio Dutra na campanha de 1998 ao Governo do RS
Parte da minha família, na verdade, era fã de Antônio Britto. Até hoje, não consigo compreender qual caminho essa admiração encontrou para crescer e germinar ao ponto de a casa de minha vó se transformar em uma espécie de comitê paralelo do PMDB. Talvez seu terno, sua fala mansa, sua propagação de valores neoliberais tenham exercido sobre meus parentes um poder sedutor semelhante àquele que emana das pessoas que falam exatamente aquilo que queremos ouvir.
Havia bandeiraços aos domingos e, quando eu via os carros buzinando pela Souza Reis, sentia-me como uma peça fundamental daquela eleição. Ao longe, descendo a rua, automóveis com bandeiras do Britto buzinavam e levavam a minha família ao êxtase. Um primo meu, de certa feita, havia conseguido uma bandeira gigantesca que eu não conseguia sequer balançar. No auge da campanha, a frente da casa da minha vó chegou a ter umas 20 pessoas fazendo bandeiraço para o PMDB.
Quando o domingo da eleição chegou, tudo parecia estar revestido de uma atmosfera meio exotérica, como se a luta do bem contra o mal fosse decidida naquele dia ensolarado. Fomos todos juntos votar e, nesta altura da eleição, já me parecia completamente absurdo que alguém ali pudesse dar um voto sequer a Olívio Dutra. Não havia como os meus entes queridos estarem errados: ele seria, sem dúvida, um mau homem.
Passamos o resto do domingo em casa, ansiosos pelo início das apurações.
(continua...)
Cristiano Fretta é escritor, professor, músico e diretor do ZN Jornal
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