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Águas de um novo normal

Do rio que tudo arrasta, se diz violento, mas não se dizem violentas as margens que o oprimem. - Bertolt Brecht


Uma vez, quando eu tinha uns 10 anos, mais ou menos, quase me afoguei. Sabe-se lá por que eu coloquei na cabeça que era um exímio nadador e que, portanto, poderia desbravar o mar de Cidreira sem colocar minha vida em risco. Nadei até o mais fundo que pude. De repente, meus pés pararam de encontrar o chão e as ondas eram muito maiores do que eu. Eu virei um pedaço de carne cansada e desesperada, à mercê da força das águas, que pareciam vir de todas as direções. De repente, um salva-vidas me pegou e me puxou para fora daquela experiência de quase morte potencializada pela sensação de estar perdendo as forças. Foi um cagaço tremendo. Nunca mais me aventurei no mar. É aquela coisa: água no umbigo, sinal de perigo. Descobri que essa máxima é bem empírica.

Apesar dessa minha experiência de quase afogamento, tenho certeza de que jamais conseguirei compreender o que é ter uma casa - e uma vida - tomada pela correnteza de um rio. As imagens do que aconteceu na região do Vale do Taquari são impressionantes e já fazem parte da história do nosso estado. Estamos acostumados com aqueles filmes apocalípticos que sempre causam destruição em Nova Iorque. Mas a mudança climática tem mostrado que o cataclismo pode atingir qualquer região do globo, afetando os nossos irmãos de Muçum, Roca Sales, entre tantos outros municípios.

Imagine o leitor um rio a atravessar todos os cômodos da casa, levando consigo móveis, paredes, vidas e histórias. E o mais assustador de tudo é sabermos que, conforme nos diz a Ciência, eventos como essas chuvas extremas devem ser considerados um "novo normal". A distopia de nosso futuro, portanto, não está emergindo de uma grande cidade, com algum monstro destruidor de prédios ou com uma nave a explodir o Empire State Building. Ela está, na verdade, cada vez mais se incrustando em nosso mundo sensível e conhecido. A pergunta fundamental é: ainda há tempo de revertermos esse quadro?


Cristiano Fretta é escritor, professor e músico

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